1 de outubro de 2012

Sombra da mortalidade

Vivemos a vida com a certeza maldita de que todos morremos. Mas esquecemos-nos de que a morte está sempre connosco, pairando.
Brincamos e não pensamos nela.
Na infância, a inocência domina e não começamos sequer a saber ou compreender o que ela representa.
Entramos na adolescência, amamos, somos amados e sofremos amores por corresponder. Vivemos a vida aborrecidos com ela ou porque temos acne e o profe é um chato e a mãe não compra a roupa de marca, e não nos deixa ir àquela festa super fixe, onde toda a gente popular vai. 
Incautos, ansiamos pela passagem rápida dos dias, queremos que a vida siga a passo acelerado, para atingirmos a maioridade e podermos fazer o que bem entendermos sem termos que nos cingir às vontades dos pais e demais adultos, que têm sempre uma palavra a dizer.
Depois crescemos mais um pouco, esforçamo-nos por estudar já a pensar no futuro profissional. Pensamos no rumo que queremos dar à nossa vida, sonhamos com uma carreira.
Fazemos viagens, planos de vida, saímos com os amigos, bebemos copos e divertimo-nos! Quiçá conhecemos o amor finalmente correspondido e construímos um lar, onde nascerá uma família. Assentamos arraiais e vamos progredindo na carreira (ou não...). E neste tempo nunca pensamos na morte. Não pensamos muito nela verdadeiramente, porque nos achamos no topo da montanha da vida e até temos uma visão arrogante e endeusada de nós mesmos, invencíveis conquistadores dos objectivos que delineamos, na busca suprema da felicidade.
Achamos que ela, a morte, não virá tão cedo. Achamos que o Acerto será décadas mais tarde.
Vamos vogando pela vida, somando conquistas, decepções, alegrias, tristezas, avanços e recuos. Vamos adquirindo alguma maturidade e tornamo-nos mais sábios e pacientes, passamos a tolerar umas coisas mais que outras...
Em todo esse tempo, mantemos ainda aquela imagem  de superioridade perante a mortalidade, como se fôssemos imunes e intocáveis. A mortalidade é algo que "só acontece aos outros"...
À medida que a idade avança e quando nos tornamos velhos decrépitos, desdentados e desmemoriados, encostados no apoio de uma bengala e com a coluna curvada perante o peso da idade e dos excessos e pecados cometidos contra o corpo, tirando-lhe juventude, começamos a perceber a sombra da mortalidade e vemos que ela andou sempre atrás de nós. Uns receiam-na, outros olham-na nos olhos e abraçam-na. Outros aceitam-na e desejam-na!

Não pensamos por um minuto que a doença maligna baterá à porta, muito antes da data que tínhamos imaginado. Não equacionamos que ela virá mais cedo e não mais tarde. Não pensamos que não vamos gozar os tempos desocupados da reforma, que não veremos os filhos crescer até encontrarem o amor, construírem um lar e formarem uma família, prolongamento da nossa.
Não equacionamos sequer que ainda que haja tanto para ver, conhecer, experimentar, sentir e saborear, teremos a perspectiva real e cruel da finitude da vida. Que teremos de explicar aos nossos filhos que poderemos ter que os deixar antes do previsto. Que o cancro é um bicharoco peçonhento e ruim que devasta tanto à sua passagem.
Não consideramos a hipótese de que a morte nos diga agora "é hora de ir e o tempo acabou"!! E aí lutamos, gritamos, choramos e pedimos ao desconhecido que diga que se enganou. Desejamos ansiosamente arrepiar caminho, atalhar percursos e correr meio mundo, em busca de tudo o que possamos viver de bom e que fomos sempre deixando para mais tarde, porque "havia tempo". Queremos ludibriar a morte, multiplicar o tempo disponível e agarrar a vida com unhas e dentes! Descobrimos que o poder do agora é o futuro e que vale ouro e diamantes. Todos os minutos contam! Mas nunca chegarão a ser suficientes, porque sabemos amargamente que estão a escassear à medida dum tique-taque muito mais acelerado... Muitos enfurecem-se e dão luta, saindo vitoriosos!
Marcas serão gravadas nos corações dos que amamos e que nos amam... Essas a morte exacerba e não apaga... Nunca!
 De súbito alguém ali mesmo ao nosso lado, descobre que o relógio acelerou avassaladoramente e reminiscências surgem, qual turbilhão de recordações de momentos pelos quais passámos, há demasiado tempo! E que decidíramos deixar adormecidas no fundo do nosso subconsciente, aprisionadas no baú de vivências que não queremos que nos definam, para não nos tolher os movimentos e as ambições!
E revemos tanto na nossa vida... Para o passado e para o futuro!

4 comentários:

Meu Velho Baú disse...

Bem expressivo o seu texto.
A morte anda ao nosso lado, só não sabemos o dia e a hora.
È pena que não pensemos que certas futilidades não valem mesmo nada e sim procurarmos viver em paz connosco e com os outros.
Porque um dia...já nada faz sentido.
BJS

Sophie Eu disse...

É tão assim que até dói!
Beijinhos

Naná disse...

Arco Iris, obrigada. É mesmo, perdemos tempo com coisas que não interessam assim tanto...

Mammy, c'est la vie! Et la mort... beijinhos

Unknown disse...

Tão verdade este post, este teu texto...

Um beijo grande