2 de setembro de 2016

Difícil de amar...

Tens sido um "desafio" desde o primeiro momento em que percebi que estavas mesmo a nascer!
Foste apressadíssimo e quiseste nascer 5 semanas antes, nada aconselhável, visto que ainda tinhas tempo para estar sossegado no quentinho da minha barriga e maturares tudo como deve ser...

Nascer prematuro fez-me recear mais por ti, do que por mim, apesar da pré-eclampsia severa que fez com que nascesses de cesariana, o que não deve ter sido agradável para ti. Certamente não o foi para mim, apesar de me tentar manter o mais serena e tranquila possível.

Depois... apesar de te amamentar com todo o empenho, as tuas necessidades alimentares eram maiores do que eu podia satisfazer e isso fez com que fosses internado na neonatologia às pressas, porque os níveis de glicose tinham descido a níveis nada aconselháveis, e ficaste ligado a fios e a máquinas que faziam bip ao primeiro sobressalto.

Eu só te queria comigo, mas a sorte ditou que o berço na minha enfermaria ficasse vazio, provocando olhares curiosos e piedosos das 500 visitas que as minhas "colegas" de enfermaria receberam ao longo dos 5 longos dias em que estive interna.

Assim que pude, corri arrastei-me com dores excruciantes para a neonatologia e pedi autorização perguntei se te podia segurar no colo, quase como faria com o bebé de outra pessoa. Assim que te tive nos meus braços, segurei-te durante mais de 1h até quase sentir os braços dormentes, apesar dos teus parcos 1950gr... as restantes 60 gr já tinhas perdido.

Passei o tempo todo que pude contigo, mesmo porque estar na enfermaria parecia um inferno, com o corropio de visitas das outras duas mães, que ficavam largamente após as horas autorizadas para visitas, não me deixando descansar de forma nenhuma...

Enquanto isso, o meu coração estava apertadíssimo, porque só queria que saísses da neonatologia para te poder ter comigo, sem fios e sem horários impostos.

Mas depois, fomos para casa, após 6 dias! E tu, que até ali eras uma criatura calma e serena, que tolerava tudo e mais alguma coisa, que se alimentava a horários regulares de 3h, quase religiosamente, passaste a querer impreterivelmente mamar de 1h30 em 1h30, o que me deixou os mamilos roxos e sentir dores inimagináveis, e só a minha decisão resoluta de te amamentar enquanto me fosse possível conseguiu vencer e perseverar.
A par da fome voraz e frequente, veio o choro gritos incessante nos intervalos das tuas refeições. O teu choro em volume nada aconselhável dia após dia, noite após noite deixou-me de rastos, se é que eu já não estava... O teu choro de decibéis acima da norma, acabei por descobrir depois num estudo cientifico sobre bebés prematuros, era normal e um mecanismo próprio de bebés nascidos muito antes da data prevista, como um instinto de sobrevivência, de forma a garantir que eras alimentado.

Dormir era uma miragem... e eu que gosto tanto preciso desesperadamente de dormir, ora querias mamar, ora choravas porque ficavas mal disposto, porque provavelmente o teu estômago pequenino ainda não estava maturado o suficiente para fazer uma digestão calma e serena.

Os primeiros 3 meses da tua vida são uma espécie de "nuvem acinzentada" de recordações, em que predominou o cansaço, a exaustão, o teu choro incessante e a minha incapacidade de ser uma mãe em condições para o teu irmão mais velho.

Depois, começaste a mamar mais espaçadamente mas o choro manteve-se à minima coisa.
O cansaço e a exaustão permaneceram uma constante... à medida que crescias, as dificuldades iam evoluindo, desde a tua recusa em ser mudado, o que incluiu quase sempre pontapés e gritos e muitos nervos meus e do teu pai.

Quando calhava a desabafar com alguém de fora do núcleo familiar, recebia em troca olhares e frases piedosas de "isso é só uma fase"... até que eu me fartei de ouvir a história das fases e evitei desabafar fosse com quem fosse! Mesmo com os meus familiares mais directos... passei a viver progressivamente mais isolada do mundo e a partilhar menos e menos da minha vida pessoal, porque a única pessoa que sabia aquilo porque estava a passar era (e é) o G.

No teu primeiro ano de vida, dormiste apenas 2 noites completas, sendo que eu apenas dormi numa delas, porque a outra estava demasiado ansiosa com a cirurgia do teu irmão mais velho.
Foste progredindo, mas o choro... aquele choro aos gritos, que chegava a quase perfurar os meus tímpanos manteve-se. Passei a ter dificuldade em estar num espaço onde houvesse ruído, mesmo que fosse apenas pessoas a conversar mais alto. Passei a desligar o rádio do carro nas viagens de e para o trabalho, mesmo o rádio sendo a minha companhia habitual nas minhas viagens de carro.

Tentar fazer-te dormir na cama de grades foi uma tragédia que me levou às raias da loucura... Simplesmente não dava para te ouvir chorrar e berrar a pleno pulmão durante mais de 45m, connosco ali ao teu lado, nada te convenceu a dormir na tua cama, que para ti parecia ser uma gaiola. Esgotámos todas as ideias e tentativas possíveis que nos ocorreram... Após uma semana a dormir apenas e só 3h/noite, venceu-nos pelo cansaço e rendemo-nos a ter-te a dormir na nossa cama. O que apenas me permitia dormir, mas não descansar.

Tenho a certeza absoluta que por esta altura não devo ter andado muito longe de um esgotamento físico. Senti-me em certos momentos a raiar a loucura e a ter medo de mim mesma... Houve dias e dias em que não me lembrava de como tinha chegado ao trabalho, depois de te deixar na creche...

Por volta da altura em começaste a andar pelo teu pé, aos 13/14 meses começaste também a fazer birras. Não, tu não podias esperar pelos "terrible two" para começares a afirmar-te... agora que tens 2 anos, refinaste a arte da birra. Consegues berrar durante 1h de seguida apenas e só porque queres que te tiremos a t-shirt. Isto porque por alguma razão que não conseguimos entender, tu simplesmente não queres vestir t-shirt nenhuma... Quando fazes uma birra, normalmente pelas coisas mais insignificantes, não posso simplesmente tentar ignorar-te e virar-te as costas e ir à cozinha 2 minutos como fazia com o teu irmão... se te viro as costas, tu dobras a parada e promoves uma escalada de monta na birra e nos decibéis dos gritos, porque além da birra ficas ofendido e ressentido comigo por te ter tentado ignorar... Se te tento acalmar e convencer que não precisas de estar a berrar, ficas furioso comigo e foram mais que muitas as vezes que me bateste e/ou mordeste.

Para minha tristeza, foram demasiadas as vezes em que me vi obrigada a ceder às tuas vontades, apenas e só porque já não conseguia tolerar o ruído e o som do teu choro, contrariando todas as minhas convicções como mãe que deve educar, mas vendo-me obrigada a ceder só para que te calasses...

Adoras fazer asneiras, queres fazer tudo à tua maneira, e mesmo quando tinhas apenas 13 meses e eu te explicava que não podias fazer e depois tu me ignoravas, eu ralhava contigo e tu nunca me levaste a sério, rias-te com ar de gozo na minha cara e voltavas a fazer, à laia de desafio. Nem depois duma palmada ou outra deixavas de asneirar... Dei-te lamentavelmente mais palmadas do que as que deveria ou gostaria (que não gosto e nem nunca vou gostar!).

Idolatras o teu irmão, mas consegues ser muito mauzinho com ele, dás-lhe chapadas como gente grande e puxões de cabelos sem mais nem porquê, e depois ris-te... e eu passo boa parte do meu tempo a apartar-vos aos dois...

Contigo, tudo tem sido difícil, complicado, envolto em cansaço, fadiga, exaustão, nervos, berros e gritos (teus, meus, do teu pai e até mesmo do teu irmão...). As fases, as tais fases têm ido passando e se sucedendo umas às outras, mas a fase seguinte consegue sempre suplantar a fase anterior em dificuldade... ao contrário do que seria expectável.
E isso entristece-me profundamente, porque quando me dizem que "um dias vais ter saudades de quando ele era pequenino" a minha resposta costuma ser invariavelmente "não, não vou"!
Porque o que mais recordo não são os teus sorrisos lindos, fáceis e rasgados, o teu olhar de malandreco, esses olhos escuros e brilhantes como duas azeitonas pretas, ou as tuas pestanas enormes quando dormes qual anjinho, ou a forma como dizes as palavras atabalhoadamente, ou como pulas de alegria em cima da cama, ou a tua alegria ao tomar banho enquanto despejas água (e inundas o chão da casa-de-banho), ou a tua mestria em andar no triciclo, a tua capacidade de adaptação rápida e de aprender tudo sem dificuldade nenhuma, ou a tua capacidade de logo depois de teres sido um "bruto" pedires "scupa, mãe" e vires beijar-me e abraçar-me, e como me consegues fazer rir com as tuas palhaçadas.

Infelizmente, sinto que o que mais vou recordar não são as tremendas alegrias que me tens dado, mas sim o estado de cansaço e exaustão generalizada em que me encontro desde que nasceste...

Às vezes, paro e olho para ti e penso no quanto te desejei na minha vida e no quanto estou feliz por estares aqui, por existires na minha e no quanto te amo, com todas as partes do meu ser e espanto-me como é possível eu amar tão profundamente uma pessoa tão pequena que me provocou tanta dor...e concluo que isto é amor incondicional, o único que conheço e que sei exercer!

3 comentários:

Susana Andrade disse...

é mesmo assim Naná... um amor incondicional. As nossas noites nunca foram assim como as tuas mas tudo o que não fiz com o 1º fiz com este e revi-me em muitas palavras e relatos que contas aqui. Passei e passo por vezes por uma saturação tal que me consome. Já disse algumas vezes que se o meu 1º filho fosse como é este 2º eu nunca ganharia coragem para o 2º... E depois sinto-me mais pequena que um átomo por dar importância a 'tantos pormenores' e tantos pais a passarem por situações bem piores... isso não ameniza a minha frustração e muitas vezes não sei gerir as situações da melhor forma... Um dia de cada vez... Beijinho

Magda disse...

Não é nada fácil assim, e sentires que ninguém compreende e que nem podes falar sobre isso é muito mau. Tb o sinto quando "reclamo" de estar cansada de ficar a tempo inteiro com os miúdos (agr tenho o part-time, mas é recente e com eles de férias não faz grande diferença!). A primeira foi complicadissíma nos primeiros anos, dormir não era com ela e os choros eram mais que muitos, o segundo saiu melhor no dormir mas tem um personalidade nada fácil de levar. Cada um com a sua, olha muita força e calma. Nem sempre as coisas correm como queremos, o ideal seria conseguirmos ajustar-nos a elas. bj

Amigo Imaginário disse...

Também me revi nas tuas palavras, Naná. Os primeiros tempos do Vasco estão envoltos numa névoa de cansaço e desespero por falta de respostas (e de apoio). E sentia-me tão culpada por não conseguir ser melhor mãe do Diogo! Nem imaginas como fiquei magoada por ter percebido recentemente que a minha própria mãe não se tinha dado conta do que passei.

Uma coisa te garanto, a relação que hoje tenho com o Vasco é quase simbiótica. Os desafios continuam, claro. Mas sinto que o percebo, que o "leio" como ninguém. E vice-versa. Foi duro (é duro!), mas vale tanto a pena! Um beijinho de coragem.