21 de junho de 2013

Onde fica a curva do caminho da vinha?...

Era já tempo de regressar, de voltar a percorrer os caminhos de outros tempos.
Era o tempo de palmilhar as veredas, para reconhecer os terrenos que me deixaram de herança, procurar os marcos e perceber as extremas que há mais de vinte anos o meu avô Manuel me tinha explicado, num dos muitos passeios em que gostava de o acompanhar.

Foi chegado o tempo de perceber o porquê de tanta curiosidade e procura alheia pelos recursos naturais renováveis que jazem nessas terras que o meu avô tratou décadas a fio. Perceber que pequena riqueza é esta que todos invejam e cobiçam e da qual alguns pretendem apoderar-se, com ou sem prévio consentimento.

Avistei a pequena planície onde na minha infância tanta vez fui levar a enfusa de água e a marmita de alumínio com o almoço, a quem já ceifava desde horas matutinas. Lembro-me da cor amarela e da textura àspera do restolho, na qual mesmo assim insistia em me sentar, enquanto via com os meus olhos de menina o meu avô e as minhas tias-avós desferirem golpes de foice sobre a cevada e o centeio.
Lembro-me de brincar na ribeira que flanqueava o terreno e passar para o outro lado. Seguir pelo caminho junto à vinha, delimitado por marmeleiros que forneciam à minha mãe matéria prima para marmelada que dava para seis meses em cada ano. Lembro-me que do outro lado da vereda havia uma ameixeira Santa Rosa, as ameixas preferidas da minha mãe. Recordo as carreiras de videiras perfeitamente alinhadas e dos dias de vindima, em Setembro, onde toda a família se reunia e apesar do trabalho árduo, tudo parecia uma festa de fim de verão.

Ainda recordo a fileira de oliveiras alinhadas à ribeira do Vale Marmeleiros, e ouvia o meu avô relatar orgulhosamente que nos tempos da II Guerra, produziam cerca de 250 litros de azeite, mas que infelizmente eram entregues na quase totalidade ao Estado Novo, que o exigia para o "esforço de guerra".

Mas o regresso foi estranho... passando a ribeira, só se reconhecia apenas uns cinco metros do antigo caminho da vinha e a curva que descrevia mais à frente já nem se vislumbrava. No que outrora era a curva do caminho erguem-se agora três jovens sobreiros que necessitam de ser "amansados"... Dos marmeleiros resta apenas um, e as ameixeiras e o damasqueiro desapareceram sem rasto.

As antigas videiras, que eu sabia terem secado há mais de 15 anos, porque o meu pai deixou de cuidar delas, deixaram apenas alguns resquícios, uma delas emaranhada num dos jovens sobreiros.

A passagem do caminho para o poço é agora impossível, porque se cobre de matagal e silvados maiores que eu.

A fileira de oliveiras desapareceu e resta apenas uma, o que me deixou desorientada por completo... perdida sem conseguir vislumbrar as orientações que o meu avô me deu...
Nasceram acácias enormes, de troncos da espessura da minha cintura junto ao antigo campo de cevada e centeio.

Olho à minha volta e sinto um misto de tristeza, nostalgia e raiva comigo mesma...

4 comentários:

Susana Andrade disse...

Compreendo-te... Um legado assim em termos de memória contada por familiares e também vivida por ti e tentares reviver isso e não conseguires porque os anos passaram e só regressaste agora. É como consentir que assim o seja sem o quereres...

Tanita disse...

Não irás ainda a tempo??

Soneca disse...

Percebo e partilho do último parágrafo...

Naná disse...

Susana, é mesmo isso! É como consentir sem o querer...

Tanita, quem sabe?! O tempo dirá!

Soneca, pois... é aquele sentimento lixado!