15 de maio de 2013

Falipices #43 - Explicações difíceis

No passado domingo, não sei bem como o assunto veio à baila... creio que começou com um qualquer comentário do Falipe enquanto segurava a minha mão para se apoiar, enquanto descíamos as escadas. Acho que surgiu com a pergunta inocente de "tu não tens mãe, mamã?".

Eu soube naquele instante que teria que lhe dar explicações além do "claro que sim!".

Por alguma razão que não sei bem explicar ou racionalizar, as raras vezes que lhe falei da minha mãe, era ele ainda um bebé e eu falava-lhe dela enquanto o embalava. Mas depois, não sei... de algum modo deixei de o fazer, talvez por pressentir que agora seria diferente, que ele não ficaria apenas a ouvir as minhas histórias da D. Vera, por saber que inevitavelmente se seguiriam perguntas. Talvez sentisse que não estava ainda preparada para as dar, ou então, tinha simplesmente receio das perguntas que ele iria colocar...

A melhor solução que encontrei foi dizer-lhe que sim, que também eu tive uma mãe. A melhor forma que tive que lhe falar dela foi pegar na fotografia que guardo há 17 anos na moldura de madeira, uma das últimas que ela tirou antes de tudo descambar... antes da quimio, antes da mastectomia, antes da radio e antes da morfina e dos comprimidos para dormir em doses cavalares.

Enquanto lhe mostrava a foto, disse-lhe:
- Esta era a minha mãe.
E ele apenas perguntou: 
- Como ela chama-se?!
- Chamava-se Vera. Era a minha mãe, e a tua avó.
E ele desatou a explicar-me que ela era como as árvores e as flores, que quando vem o sol depois da chuva e os passarinhos, num emaranhado inocente de descrição, que me permitiu perceber que ele pensou que ela era a Primavera.
Logo de seguida, pergunta-me pelo meu pai... como se quisesse saber se eu também tinha pai.
Peguei então na fotografia do meu pai quando ele tinha mais ou menos a minha idade e expliquei-lhe que ele era o meu pai e que era aquele senhor de quem eu por vezes lhe falava, o avô Abel.
Ele ouviu as minhas respostas com muita atenção e por fim perguntou:
- Eles 'tão onde, mãe?

Eu só soube dizer-lhe que eles já não estão cá... e ele percebeu, creio eu!

- Estão ali lá em cima? (expressão que começou a usar recentemente para se referir ao céu...)
- Sim, acho que sim!

Depois seguiu perguntando sobre todos os rostos que viu nas muitas fotografias de amigos queridos e familiares que prezo, com a sua curiosidade natural.

Se desta vez, consegui responder de forma simples e conter o prenúncio de tremelique do queixo e a comichão inexplicável na garganta que sinto sempre que estou prestes a deixar desabar as lágrimas rosto abaixo, não sei como me portarei numa outra ocasião em que as perguntas comecem a ser mais incisivas...

7 comentários:

Sophie Eu disse...

Vais-te portar igualmente bem, tenho a certeza!
Beijinhos grandes

Joanissima disse...

Falar de quem amamos é a melhor maneira de os manter vivos... e a mais bela homenagem que podes fazer ais teus pais é passar todo o seu legado ao teu filho.

(abraço apertadinho)

Susana Andrade disse...

Não pude deixar de me sentir muito emocionada com as tuas palavras e também as do teu filho. As crianças surpreendem-nos tanto e conseguem simplificar tanto as coisas da vida que por vezes parecem ser dificeis de explicar... Estiveste muito bem e não deixes as memórias boas esquecidas dentro de ti, conta-as volta e meia ao teu menino, ele assim sentirá a presença dos avós mesmo eles não estando por cá.
Beijinho grande

Tanita disse...

Vais respinder-lhe com a mesma calma de sempre, explicando tudo devagar de modo a que ele perceba e se tiveres de chorar um pouco, chora, porque assim ele percebe que os sentimentos, as recordações, também se fazem com lágrimas e por vezes nao faz mal nenhum chorar...

Meu Velho Baú disse...

Pode ser doloroso para nós falar dos ente queridos que já cá não estão, mas não deixa de ser ternurento as observações das crianças, pelo menos das mais pequenas que ainda não percebem muito bem a morte.
Os meus netos mais novos falam com muita tranquilidade da ausência dos meus pais.
Olham para o Céu e apontam a estrelinha do avô Quim e da Avó Bia por instantes eu própria acredito que são ELES.

Nadine Pinto | Fotografia disse...

Caramba, emocionei-me.
Volto a dizer que acho o teu puto especial.
Beijocas aos dois.

Paula disse...

Oh Naná... a minha avó deixou-nos mais ou menos como a tua mãe... há quase 20 anos. É doloroso mas dá um conforto no coração quando a minha pequena me fala da avó Esmeralda e das coisas que ela fazia, porque eu lhe conto... vais encontrar forma de encaixar isso na tua vida, vais ver... beijinhos x