4 de julho de 2011

Filha da terra

Ontem andei por terras dos meus pais, e claro, fui dizer olá à minha Arrifana, essa linda praia que dá nome a este blog.
Mas antes passei por uma outra praia, a da Amoreira, que me traz também boas recordações, das vezes que o meu pai ia pescar salema à linha, no cimo das falésias e a minha mãe dava largas ao seu gosto por mariscar, razão pela qual sempre que íamos à praia, no saco levava sempre um saco de plástico e uma faquinha, não fosse haver lapas, mexilhões ou burgaus para apanhar...
E como habitualmente, se calho a entrar nos cafés ou restaurantes, para beber um refresco ou um café, tal como aconteceu ontem, os donos tratam-me como se eu fosse uma turista, apesar de olharem para mim com aquele ar de: "humm, eu acho que já te vi em qualquer lado"...
Nem sempre o faço, mas ontem acabei por dizer ao sr. Gabriel (a quem sempre conheci como proprietário de cafés e restaurantes que tinham invariavelmente o nome de "Taberna") que ele decerto conheceu o meu avô e os meus pais... e assim que os identifiquei, fez-se luz naquela mente e passei de ser tratada como turista para ser tratada como aquilo que sinto que sou, sempre que ando por aquelas paragens: uma filha da terra!
E gosto tanto de lá ir! Além das boas recordações que guardo daquela vila pequena e pitoresca, pela qual os anos parecem não passar assim tanto, de alguma forma sinto-me mais próxima da "herança dos meus antepassados"! Sinto-me mais próxima dos meus pais, que ali cresceram e viveram mais de metade das suas vidas até virem para a terra que viu nascer e crescer! É como se ao andar por lá, pelas ruas da vila e pelos campos, conseguisse tocar as vidas dos meus avós e pais, na sua calma quotidiana, marcada pelo trabalho na lavoura e pelo apascentar de vacas e ovelhas. 
Depois entro na casa que o meu avô construiu em 1954, em blocos de taipa (hoje é "fashion" chamar-lhe adobe e está na berra!) e que os meus pais recuperaram em 1991 e desejo um bocadinho que o tempo volte para trás, para eu sentir o gosto da água ferrosa tirada da fonte mesmo ao lado da casa, e sentir o cheiro da terra lavrada e semeada com pepinos, pimentos, melancias e melões (nesta altura do ano), saborear o gosto das ameixas e das pêras que jazem nos cestos de vime, recordar os cheiro intenso do petróleo usado para acender os candeeiros (porque até aos meus 6 anos, não havia electricidade em casa) e voltar a degustar uma boa feijoada no fogo de lenha!
Olho para a aquela casa térrea de taipa, telha portuguesa e janelas de madeira com postigos e quero reabilitá-la à minha maneira! Quero arranjar-lhe o telhado e a telha que já começam a acusar o desgaste dos anos e das intempéries... Quero refazer o reboco em cal, para que as paredes possam respirar, o que não conseguem fazer com o reboco de cimento... Quero torná-la aconchegante e decorá-la com camas de ferro, mobílias rústicas e tapetes feitos de mantas de retalhos (estas feitas pela minha avó e que ainda guardo numa mala, religiosamente)!
Vou depois visitar a família e relembro aquela relação de proximidade, em que os tios e primas viviam todos num aglomerado de casas, distantes 20m entre si... hoje designado por "casario disperso" pelos senhores que gerem o Parque Natural, mas que nunca souberam como nos tempos de outrora, as pessoas preservavam a natureza, a respeitavam e a cuidavam e recebiam em troca o seu sustento!
E para coroar uma tarde de "viagem aos tempos de outrora", apanhei um guia de visitante na Taberna do Gabriel, e no meio de páginas carregadas de publicidade aos negócios da região, encontro uma página carregada de pérolas linguísticas! Uma pequena lista de termos usados na zona, retirados do "Dicionário do Falar Algarvio" e que me causaram arrepio na espinha, porque ao ler cada um deles, parecia que estava a ouvir o meu pai, o meu avô ou a minha mãe a usá-los. Só para terem uma ideia, reproduzo aqui alguns e dou exemplos:
- adrego - "há-de ser adrego não vir aí chuva" (acaso)
- cafelo - "tenho que caiar a casa, antes que caia o cafelo" (reboco de cal)
- frigineco - "hoje há frigineco para o jantar" (petisco frito)
- gafurina - "não vás cortar essa gafurina, não!" (cabelo desgrenhado)
- tarouco - "tenho que ir buscar um tarouco para a lareira" (pau grosso)
- gangão - "estás com uma bebedeira que até vais de gangão" (cambalear)
- petranca - "esta casa está cheia de petrancas" (coisas velhas e sem valor)
- verdugo - "daqui a nada levas com o verdugo" (apesar de no dicionário dizer que é uma foice, o meu pai usava este termo para se referir a uma vara pequena, tipo chicote)
E há tantas que ainda hoje uso e que não vinham nesta lista!...

É bom voltar à terra da qual sou filha "por afinidade"!