Tenho a vaga ideia de que tudo começou com o Volodymyr, um rapaz ucraniano que partiu um braço e precisou que alguém lhe preenchesse um requerimento à Segurança Social, porque ele não percebia o português o suficiente para o fazer.
Quando ele me pediu, com ar mesmo muito envergonhado, nem hesitei e em 10 minutos tinha o formulário preenchido. O rapaz, servente de pedreiro na obra onde eu era a "sinhóra da segurança", desfez-se em agradecimentos e nunca mais deixou de o fazer enquanto a obra durou.
Depois foi o Cláudio, um jovem brasileiro, muito trabalhador e humilde, que me pediu se eu lhe podia preencher os papeis para ele entregar no consulado brasileiro, para concluir o processo de adopção de uma menina, que ele iniciara no Nordeste do Brasil, antes de emigrar e vir para Portugal.
Quando disse que o faria sem qualquer problema, ele questionou-me:
- Ocê tem família de emigrantes?!
Respondi-lhe que não, e achei estranha a pergunta.
Ele explicou que achara que a minha gentileza poderia ser motivada por isso.
Ao que eu respondi que isso tinha pouco peso, porque eu estava disposta a ajudar quem me pedisse ajuda, caso a pudesse facultar, independentemente da nacionalidade.
Ele, não só se desfez em agradecimentos, como rematou:
- Ocê é gente boa! Muito boa!
E quando a menina que ele adoptara e a esposa finalmente se reuniram com ele cá em Portugal, ele não hesitou em vir propositadamente ao meu contentor partilhar essa tremenda alegria comigo. E eu fiquei genuinamente feliz por ele!
Não demorou muito tempo a espalhar-se pela obra que a "sinhora da segurança" ajudava a preencher papeladas e burocracias. Um dia, confundiram a estagiária da fiscalização comigo e perguntaram-lhe se ela podia ajudar a preencher a declaração do IRS.
Já o Murat, um uzbeque cinquentão, bem disposto, tagarela e brincalhão, veio pedir-me se podia ajudá-lo com o preenchimento do requerimento para autorização de reagrupamento familiar. O desejo dele de trazer a família dele para cá era enorme, queria a esposa e os seus quatro filhos, todos nascidos nas primeiras semanas de Setembro, a viver consigo cá.
Costumava brincar com ele, enquanto preenchia os papéis, que o mês de Setembro era um mês tramado, com tanta prenda e festa de aniversário a acontecer, já que ele próprio também tinha nascido nesse mês.
Três vezes me pediu que o ajudasse, e três vezes lhe preenchi o requerimento, ao qual ele recebia sempre a mesma resposta negativa: os seus rendimentos ficavam aquém do estabelecido para ele poder trazer a sua família para cá.
Enquanto trabalhámos nas mesmas obras, todos os dias 8 de Março, me oferecia uma flor ou uma planta e no Natal, comprava sempre uma caixa de bombons e uma garrafa de champanhe com caracteres russos para me oferecer.
Também ao Omar, um jovem marroquino, tentei ajudar, sem grande sucesso, a desbloquear uma vigarice do patrão com as declarações de remunerações para a Segurança Social. O seu semblante habitualmente desconfiado com tudo e com todos, suavizava-se quando eu estava presente e nas últimas obras onde nos encontramos, ele contou-me do seu pequeno filho e de como tinha ido a Marrocos casar.
A todos eles ajudei da melhor forma que pude e sabia.
E mesmo assim, às vezes penso que o que fiz foi tão pouco...
2 comentários:
Posso garantir-te que, mesmo para quem domina a língua falada e escrita na perfeição, preencher papelada num país estrangeiro é um quebra-cabeças desgraçado! O que tu fazes é uma ajuda enorme, acredita. Um grande bem-haja por isso, Naná!
Às vezes estamos com tanta coisa na cabeça, olhamos tanto para o nosso umbigo que nos esquecemos de que gestos tão simples podem fazer uma grande diferença na vida de outra pessoa.
Parabéns pelo teu gesto...não há muitos como os teus!
Bj
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