9 de abril de 2014

Vidas campestres

No campo há sempre o que fazer.
Os dias passam com a lentidão e a rapidez própria das estações do ano, que ditam as tarefas a cumprir. 
No campo há um ritmo muito peculiar, que dita tudo o que há para fazer, e cada um a seu tempo.
Pode pensar-se à partida que a vida no campo é pasmacenta, que é aborrecida e enfadonha. Pelo contrário!
A vida no campo tem um ritmo muito próprio, o tempo é marcado por momentos específicos, que devem ser respeitados, não se devendo adiar tarefas que se impõem.
A vida no campo tem um colorido diferente, tem um grau de exigência subentendido, que só quem nele vive consegue entender.
Não há um momento de paragem, a não ser para o descanso à noite, as refeições habituais e a sesta após o almoço, para retemperar as forças e poupar o corpo ao sol escaldante dos dias de verão.
 
Há sempre o tempo da ceifa, desta ou daquela sementeira. 
Há um tempo para atender às necessidades dos animais, as vacas, ovelhas e galinhas. 
Há sempre a limpeza de primavera, as paredes a caiar em tempo de verão, as telhas do telhado para reposicionar no seu lugar. Os porcos que se matam no final do outono, para guardar para o ano seguinte.

Há fruta que tem que ser colhida das árvores do pomar. Há um tempo para delas fazer compotas, bolos e conservas, para armazenar no resto do ano, para consumo da casa.
Há alfaces e outras leguminosas que precisam de ser regadas para que possam subsistir.
Há animais que têm que ser apascentados.
Há animais que têm que ser alimentados, e posta a palha nova para deixar a sua "cama" limpa. Há animais que têm que ser escovados, tosquiados e vacinados.
Há vacas, cabras e ovelhas para serem ordenhadas com dia e hora marcada.
Há galinhas e patos que querem comer o milho e o trigo e pedem ordem de soltura para esgravatar livremente. Há horas para recolher os ovos, e horas para pôr os ovos a fim de serem chocados.
Há coelhos e porcos que precisam de comer, e como tal há que colher ervas do campo para os alimentar.
A lareira e o fogo de lenha que precisam de combustível, por isso há que apanhar, rachar lenha e aprovisioná-la. Com particular cuidado quando chega a invernia e esta tem que ser protegida da chuva ou do orvalho, para que se mantenha seca e possa arder normalmente.

Há um tempo e um ritmo para apanhar ervas daninhas, outro para arrancar culturas que já estão fora de época e plantar novas em seu lugar. Há um tempo para planear em que talhão de terra se semeia o quê, o estrume que é preciso usar e o mais adequado a cada cultura e as sementes que se separaram da colheita anterior.
Há um tempo para a vindima, para fazer o mosto, embarrilar o vinho e esperar que ele fermente. 
Há um tempo para amassar o pão, tendê-lo, acender o forno e pô-lo a cozer. E um tempo para fazer com ele, ainda bem quente, uma tiborna.
Há um tempo para bordejar o paúl em cima das vagens de feijão e grão que se deixou a secar na eira, para joeirar o feijão e o grão, escolhendo os dias de vento de feição, para lhe retirar a palha excedente. Há um tempo para fazer as queimadas necessárias, que a terra pede, para se ir mantendo fértil.
Há um tempo para pear a burra e um tempo para a albardar e colocar o bornal e levar para a horta, para ser carregada com a gorpelha e trazer os proventos que o campo dá.
Há um tempo para semear e outro para plantar e outro ainda para transplantar sementeiras. Há um tempo para aproveitar o que o campo nos proporciona, o que os animais nos dão e partilhar com a comunidade familiar e de vizinhança.
Há um tempo para varejar as oliveiras e apanhar as azeitonas. Há um tempo para levar a colheita para o lagar e trazer de lá os garrafões cheios de azeite. Há um tempo para pôr as azeitonas em jarros cheios de água, um tempo para lhes mudar a água, para as britar ou apenas e só temperar.

Há um tempo que se mexe a um ritmo constante, mas que não encerra aquela urgência de quem vive na cidade.
Porque apesar deste ritmo ser cadente e sempre corrido, há também sempre um tempo para ver as ervas e árvores florirem, as flores desabrocharem, os frutos começarem a despontar nas árvores, as crias nascerem: caçapos, pintos, leitões, vitelos, borregos, cabritos, etc. Há sempre um tempo para fazer festas ao cão de guarda, nosso amigo e companheiro diário.
 
Há um tempo para sentar à sombra no poial à conversa com os vizinhos e familiares que vieram deixar a prova do bolo, umas favas ou ervilhas que têm excedentes ou um bocado da carne do porco que se matou.
Há um tempo para ver o tempo avançar, à cadência do clima e das estações que se sucedem. Porque quem vive no campo, dele e para ele, tem muito que fazer, mas raramente tem pressa.

6 comentários:

Maria Duarte disse...

As vidas campestres são tudo menos pasmacentas.

O "meu" campo é tão pequeno e há sempre coisas para as quais "ainda" não houve tempo, que ficam para amanhã ou depois...

Unknown disse...

Adorei o que acabei de ler... Eu também vivo no campo, e de uma cosa tenho a certeza, não sabia viver sem ele!!!

Beijinhos e continuação de uma boa semana.

Anónimo disse...

já eu que sempre vivi na cidade, tenho agora um apelo campestre que não sabia possuir. é mesmo assim, como dizes Naná...beijinhos

luisa disse...

Eu também vivo no campo, só que trabalho na cidade e por isso perco muito deste ritmo saudável que o teu texto transmite.

Naná disse...

Maria, o mal é nos dividirmos entre campo e cidade...

Manela, eu tive a sorte de poder crescer entre o campo e a cidade, e conhecer o melhor dos dois mundos. Nos dias que correm sinto muita falta do campo e da vida lá, onde sei que voltarei daqui a uns anos!

Mia, o campo conquista-nos!

Luísa, queixo-me do mesmo...

gralha disse...

Que bom, acabei de passar um bocadinho no campo com este teu relato. Obrigada :)