11 de outubro de 2011

A cafeteira de esmalte

tirada do site leiloes.net
Este fim de semana foi "O" fim de semana em que tive que vazar a casa dos meus pais para se dar inicio às obras de recuperação profunda que aquela casa, lamentavelmente, precisa!
Para mim foi bastante cansativo a nível físico, mas particularmente carregado de emoção e como tal, desgastante ao nível psicológico.
Desde que o meu pai partiu há quase dois anos, optei por "comodisticamente" manter a casa no seu estado habitual, tal como ele a deixara.
Mas chegou o momento de avançar, que foi isso que a minha mãe me ensinou! E de deixar de ter a casa fechada, uma câmara encerrada e entregue às aranhas, às traças e aos ácaros (e por sorte não aos ratos e baratas) e recuperar a casa e dar-lhe uso.
Depois do meu pai ter partido, os dias de “nojo” a que tive direito (nunca entendi a utilização desta expressão, que considero totalmente desapropriada, mas enfim...) foram escassos para dar a volta à casa, como faziam os “antigos”. Lembro-me que uma semana depois da minha mãe ter partido, estávamos em casa a revirar tudo, para dar destino aos seus “pertences”. Com o meu pai não foi assim e levei mesmo muitos meses a fazê-lo, por falta de tempo efectivamente, mas por falta de coragem e de manifesta vontade. Porque isso iria abrir a ferida da dor da perda dele e eu não quis fazer “o luto” durante muito tempo.
Mas não podia ser assim indefinidamente, apesar de ter adiado a decisão sobre o que fazer com a casa durante demasiado tempo. Optei por reparar a casa e prepará-la para futuro arrendamento e isso implicou obviamente fazer o que eu fui procrastinando sucessivamente.
Após muitos orçamentos e muitas contas de cabeça, foi chegada a hora de vazar tudo e revirar tudo o que permaneceu intacto nestes longos meses... foi chegada a hora de separar tudo o que podia ser dado, o que queria guardar e o que já não tinha serventia. Ora eu tenho uma minha veia lamechenta e sentimentalona, e fui criada na lógica de guardar tudo, “para quem sabe um dia pode servir”... e calculei que teria que fazer das tripas coração para adoptar uma postura minimalista e desprendida e contrariar a lógica do “humano coleccionador”! Por isso, as duas noites que precederam os “trabalhos” foram mal dormidas, com um misto de ansiedade e expectativa...
Sabia que ir mexer em tudo me traria recordações, mais que muitas e que a dada altura iria romper em pranto, com a saudade e a tristeza de me sentir órfã, ao olhar para cada objecto.
Obviamente que foi mesmo isso que sucedeu! Só não sabia que o que faria despoletar o mar de lágrimas seria a velhinha cafeteira de esmalte vermelha, igualzinha à que está na imagem. Quando a vi, logo depois de ter pegado na velha caneca de café da minha mãe, com o vidrado estalado e a asa colada, desatei a chorar! Porque ao olhar para esta cafeteira, que conheço desde que me conheço por gente, recordei que a minha mãe fazia café todas as manhãs e o cheiro enchia a casa!
Depois de ter chorado tudo, sequei as lágrimas e continuei e não mais chorei até ao fim!
Para mim foi como “desmontar” tudo o que ainda persistia duma casa, que eu mantive como “museu”, como que a cristalizar as recordações da minha infância, adolescência e início de idade adulta. Separar tudo, organizar e empacotar objectos foi como “apagar os cenários” de uma vida familiar, a minha e a dos meus pais! Até o meu quarto de menina adolescente foi vazado, retiradas todas as fotos, os peluches, os posters, as cartas de amigos, os bibelots, os livros, os CD's e as velhinhas cassetes.
No entanto, fiquei espantada com a minha capacidade lógica e prática de manter apenas o estritamente necessário e útil. Foi muito mais fácil do que esperava conseguir contrariar a minha veia de “deixa cá guardar para um dia mostrar aos filhos” ou “pode ser que um dia precise”. Consegui cingir-me à lógica de conservar apenas o que deve ser conservado!
E agora, vão começar as obras! E calculo que as minhas dores de cabeça...

9 comentários:

Margot disse...

Imagino que seja mto dificil.
A unica casa que tivemos que vazar foi a dos meus avós o ano passado qdo a minha avó faleceu e sinceramente quem tratou de tudo foi a minha irmã mais nova que eu nem me aproximei.
A tua Mãe tinha razão, seguir em frente, faz isso!

Um beijinho
Margot

mfc disse...

Nestas alturas há sempre um momento de fraqueza... até porque os sentimentos estão à flor da pele!
Há coisas que têm que ser feitas, mas vão mexendo connosco.

kuka disse...

Uma cafeteira clássica. Não havia quem não a tivesse. A minha avó tinha uma, a minha mãe também. De cor creme, já um bocado coçadas de tantas esfregas.

Tanita disse...

Oh querida, até a mim me deu um aperto no coração ao ler estas tuas palavras. Chorar faz bem. E o pior mesmo devem ser as saudades e quanto a estas não há solução milagrosa para as fazer desaparecer, sói mesmo ocupando a cabeça e o coração as faz apaziguar.
Mas vais ver que, depois das obras estarem terminadas, vais sentir-te muito orgulhosa e vais finalmente colocar a casa dos teus pais a funcionar novamente. Talvez com uma familia feliz e que estime o que é teu.
Bj**

Naná disse...

Obrigada pelas vossas palavras de apoio :)

Kuka, obrigada pela visita! Também conheço o Barranco de Benaceitão e muito bem!

Magda disse...

os teus pais iam ficar felizes por saber que vais dar um ar novo à casa em vez de a manteres fechada, cm se quisesses esquecer... boa sorte com as obras

CoriscaRuim disse...

Vai fazer dentro de uma semana dois anos que o meu pai faleceu também...E, embora no dia do funeral, eu tenha chegado a casa e tenha começado a dar tudo o que era dele (a quente a coisa ia melhor, achava eu), a verdade é que fazer o luto implica muita coisa e eu ainda não consegui fazer o meu...
Por isso entendo o que dizes...
Custa muito...

Naná disse...

Corisca, eu também ainda não fiz o do meu pai e a julgar pelo que fiz da minha mãe, vou levar muito mais tempo a gerir a ausência dele!

Loira disse...

Naná, emocionei-me tanto com este post, as tuas palavras levaram-me às lágrimas.
Deve ser tão difícil...força minha querida*