No campo há sempre o que fazer.
Os dias passam com a lentidão e a rapidez
própria das estações do ano, que ditam as tarefas a cumprir.
No campo há um ritmo muito peculiar, que dita tudo o que há para fazer, e cada um a seu tempo.
Pode pensar-se à partida que a vida no campo é pasmacenta, que é aborrecida e enfadonha. Pelo contrário!
A
vida no campo tem um ritmo muito próprio, o tempo é marcado por
momentos específicos, que devem ser respeitados, não se devendo adiar tarefas
que se impõem.
A vida no campo tem um colorido diferente, tem um grau de exigência subentendido, que só quem nele vive consegue entender.
Não
há um momento de paragem, a não ser para o descanso à noite, as
refeições habituais e a sesta após o almoço, para retemperar as forças e
poupar o corpo ao sol escaldante dos dias de verão.
Há sempre o
tempo da ceifa, desta ou daquela sementeira.
Há um tempo para atender às necessidades dos
animais, as vacas, ovelhas e galinhas.
Há sempre a limpeza de primavera,
as paredes a caiar em tempo de verão, as telhas do telhado para reposicionar no seu lugar. Os porcos que se matam no final
do outono, para guardar para o ano seguinte.
Há fruta
que tem que ser colhida das árvores do pomar. Há um tempo para delas
fazer compotas, bolos e conservas, para armazenar no resto do ano, para
consumo da casa.
Há alfaces e outras leguminosas que precisam de ser regadas para que possam subsistir.
Há animais que têm que ser apascentados.
Há animais que têm que ser alimentados, e posta a palha nova para deixar a sua "cama" limpa. Há animais que têm que ser escovados, tosquiados e vacinados.
Há vacas, cabras e ovelhas para serem ordenhadas com dia e hora marcada.
Há
galinhas e patos que querem comer o milho e o trigo e pedem ordem de
soltura para esgravatar livremente. Há horas para recolher os ovos, e
horas para pôr os ovos a fim de serem chocados.
Há coelhos e porcos que precisam de comer, e como tal há que colher ervas do campo para os alimentar.
A
lareira e o fogo de lenha que precisam de combustível, por isso há que
apanhar, rachar lenha e aprovisioná-la. Com particular cuidado quando
chega a invernia e esta tem que ser protegida da chuva ou do orvalho,
para que se mantenha seca e possa arder normalmente.
Há
um tempo e um ritmo para apanhar ervas daninhas, outro para arrancar
culturas que já estão fora de época e plantar novas em seu lugar. Há um
tempo para planear em que talhão de terra se semeia o quê, o estrume que
é preciso usar e o mais adequado a cada cultura e as sementes que se
separaram da colheita anterior.
Há um tempo
para a vindima, para fazer o mosto, embarrilar o vinho e esperar que ele
fermente.
Há um tempo para amassar o pão, tendê-lo, acender o forno e pô-lo a cozer. E um tempo para fazer com ele, ainda bem quente, uma tiborna.
Há um tempo para bordejar o paúl em cima das vagens de feijão
e grão que se deixou a secar na eira, para joeirar o feijão e o grão,
escolhendo os dias de vento de feição, para lhe retirar a palha
excedente. Há um tempo para fazer as queimadas necessárias, que a terra
pede, para se ir mantendo fértil.
Há um tempo
para pear a burra e um tempo para a albardar e colocar o bornal e levar
para a horta, para ser carregada com a gorpelha e trazer os proventos
que o campo dá.
Há um tempo para semear e
outro para plantar e outro ainda para transplantar sementeiras. Há um
tempo para aproveitar o que o campo nos proporciona, o que os animais
nos dão e partilhar com a comunidade familiar e de vizinhança.
Há
um tempo para varejar as oliveiras e apanhar as azeitonas. Há um tempo
para levar a colheita para o lagar e trazer de lá os garrafões cheios de
azeite. Há um tempo para pôr as azeitonas em jarros cheios de água, um
tempo para lhes mudar a água, para as britar ou apenas e só temperar.
Há um tempo que se mexe a um ritmo constante, mas que não encerra aquela urgência de quem vive na cidade.
Porque
apesar deste ritmo ser cadente e sempre corrido, há também sempre um
tempo para ver as ervas e árvores florirem, as flores desabrocharem, os
frutos começarem a despontar nas árvores, as crias nascerem: caçapos,
pintos, leitões, vitelos, borregos, cabritos, etc. Há sempre um tempo para fazer festas ao cão de guarda, nosso amigo e companheiro diário.
Há
um tempo para sentar à sombra no poial à conversa com os vizinhos e
familiares que vieram deixar a prova do bolo, umas favas ou ervilhas que
têm excedentes ou um bocado da carne do porco que se matou.
Há
um tempo para ver o tempo avançar, à cadência do clima e das estações
que se sucedem. Porque quem vive no campo, dele e para ele, tem muito
que fazer, mas raramente tem pressa.
6 comentários:
As vidas campestres são tudo menos pasmacentas.
O "meu" campo é tão pequeno e há sempre coisas para as quais "ainda" não houve tempo, que ficam para amanhã ou depois...
Adorei o que acabei de ler... Eu também vivo no campo, e de uma cosa tenho a certeza, não sabia viver sem ele!!!
Beijinhos e continuação de uma boa semana.
já eu que sempre vivi na cidade, tenho agora um apelo campestre que não sabia possuir. é mesmo assim, como dizes Naná...beijinhos
Eu também vivo no campo, só que trabalho na cidade e por isso perco muito deste ritmo saudável que o teu texto transmite.
Maria, o mal é nos dividirmos entre campo e cidade...
Manela, eu tive a sorte de poder crescer entre o campo e a cidade, e conhecer o melhor dos dois mundos. Nos dias que correm sinto muita falta do campo e da vida lá, onde sei que voltarei daqui a uns anos!
Mia, o campo conquista-nos!
Luísa, queixo-me do mesmo...
Que bom, acabei de passar um bocadinho no campo com este teu relato. Obrigada :)
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